Cana-de-açúcar cresce em canaviais imensos, a perder de vista. Quando chega no ponto, é colhida e transportada para o engenho, onde passa por várias etapas até se transformar em diversos protudos, como açúcar, cachaça, caldo de cana, álcool. Veja só quanta coisa sai de uma simples cana! Quando entra na moenda e é espremida, faz sair um caldo esverdeado, espumoso, que cai num recipiente chamado vaso morto. Nome esquisito, não? Pois é, chama-se vaso morto porque fica ali só recebendo de um lado o caldo, e do outro os resíduos provenientes das demais etapas realizadas por outras partes do mecanismo. Coitado do vaso morto! Os outros vasos recebem e tratam as partes, digamos, mais finas, e ele fica ali queito e frio, só recebendo o que não presta.
"E vou ficar aqui, feito penico dos outros?! - pensou o vaso. - Era só o que faltava!"
Estava danado de raiva e doido para apontar alguma para cima de qualquer um, ms principalmente so senhor do engenho. Veja o que aconteceu:
Normalmente, todas as partes do mecanismo ficam quentes, menos o vaso morto, que é frio. Porém, certo dia um empregado do engenho se distraiu, passou perto do vaso e encostou a perna nele: "Ai, ai, ai, eu me queimei. O danado do vaso parece que ferve!" - foi o grito aflito que atravessou a fazenda inteira. Assim, pregando peças nos empregados, o vaso morto is satisfazendo sua raiva. Mas, não podemos esquecer que o rancor maior era para com o senhor do engenho.
Certo dia, vindo da usina, eis que se ouve um gemido intenso, profundo, inexplicável.
"Que gemido é esse? Oh, parece o vaso morto gemendo." Todos correram para conferir e, realmente, o gemido era do vaso morto. Os mais novos olhavam com os olhos esbugalhados de curiosidade, enquanto os mais velhos sentiam naquele gemido um mau agouro. Além disso, apurando o ouvido, dava para perceber algumas palavras: "Senhor do engenho... senhor do engenho..."
- Minha nossa! - gritou a preta velha que entendia todos os mistérios. - O senhor do engenho vai morrer! Vai morrer o senhor de engenho!
Pois não é que três dias depois dá um troço no senhor do engenho e ele morre?!
Cuidado com o vaso morto! Sua frieza engana e seu gemido traz morte!
Magalhães, Elsa Pestana. Lendas do Brasil. Barueri: Girassol: Madri: Susaeta Ediciones, 2004.
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